"O meu país é a utopia. Um mapa do mundo que não compreenda o país da Utopia não merece nem mesmo um olhar, pois ignora o único país ao qual a humanidade continuamente chega. E quando a humanidade lá atraca, fica alerta, e levanta novamente as âncoras ao vislumbrar uma terra melhor."- Oscar Wilde

TRAGÉDIAS & MANGÁ - LARS VON TRIER

NYMPHOMANIAC 2 – de LARS VON TRIER


- Estava pensando aqui… São dois filmes diferentes, embora pareçam iguais. Duas partes de um mesmo. Mas não, são dois filmes diferentes. Um meio sem rumo e outro muito bom.
- Do que é que você está falando?
- “Nymphomaniac”, do Lars Von Trier. Na mesma medida em que achei a primeira parte, uma inutilidade atroz, achei a segunda parte quase excepcional! O velho Lars colocando o dedo na ferida ou cutucando a onça com vara curta.
- O provocador.
- É. Muita coisa ilustrativa acontece, mas o melhor mesmo são os diálogos entre a personagem da Charlotte Gainsbourg e o personagem do Stellan Skarsgard. É um filme tese. Como, aliás, todos os filmes do Lars. “Nymphomaniac 2” tem um roteiro rocambolesco, uma salada russa que só serve mesmo para que o Lars vá descarregando sua visão niilista da humanidade. As relações humanas, sejam sociais, econômicas ou sexuais, são sempre pautadas pelo sadismo, pela crueldade, pelo poder. Ele odeia a burguesia e isso sempre fica muito evidente em seus filmes.
- O problema é que é justamente a burguesia quem vai assistir aos seus filmes.
- Contradições da arte.
- Mas a burguesia é matreira.
- Tudo em “Nymphomanic 2” é um pretexto para dizer que não temos saída e que tudo está construído em alicerces fajutos e que só o que nos resta mesmo é a hipocrisia e que só os hipócritas sobrevivem. Sinceridade é um perigo em nossa sociedade hipócrita.
- Que foda, né?
- Foda.
- ...
- Um diálogo e um monólogo eu considero excepcionais.
- Quer falar.
- Claro!
- Então vai!
- Joe: Cada vez que uma palavra se torna proibida você remove uma pedra do alicerce democrático. A sociedade demonstra sua impotência em face de um problema concreto, removendo palavras da língua.
Seligman: Acho que a sociedade diria que politicamente correto é uma expressão muito precisa de preocupação democrática com as minorias.
Joe: E digo que a sociedade é tão covarde quanto as pessoas nela, que, na minha opinião também são demasiado estúpidas para a democracia.
Seligman: Entendo o seu ponto de vista, mas discordo totalmente. Não tenho nenhuma dúvida sobre as qualidades humanas.
Joe: As qualidades humanas podem ser expressas em uma única palavra: hipocrisia. Enaltecemos aqueles que dizem o certo, mas desejam o errado; e zombamos daqueles que dizem o errado, mas desejam o certo.
- Como você conseguiu decorar este diálogo?
- Não decorei. Escrevi.
- Ah!
- E tem o monólogo da Joe para as colegas de terapia e para a terapeuta.
- Fala.
- Queridas, acho que não tem sido fácil, mas agora entendo que não somos e nunca seremos iguais. Eu não sou igual a você, que fode para ser aprovada e poderia muito bem parar de colocar paus dentro de você. E eu não sou igual a você. Tudo o que você quer é ser preenchida. E quer seja por um homem ou por toneladas de alimentos nojentos, não faz diferença.
- Ela vira a mesa.
- Aí olha para a cara da terapeuta e dispara: E, definitivamente não sou igual a você. Essa empatia que você clama é uma mentira, porque tudo que você é, é a vigília da moralidade da sociedade, cujo dever é apagar a minha obscenidade da superfície da terra, para que a burguesia não se sinta doente. Eu não sou igual a você. Sou ninfomaníaca e amo ser assim. Mas, acima de tudo, amo a minha buceta e a minha luxúria imunda e obscena.
- Ufa!
- Pois é.
- ...
- ...
- E o que o filme do Lars Von Trier tem a ver com Tragédias & Mangá?
- Acho que nada. Ou tudo. Afinal não fala do ser humano? Por caminhos tortuosos, tudo fala de uma mesma coisa, não é? Por alguma razão me lembrei dos diálogos cruéis entre Menelau e Hécuba em “As Troianas”, do Eurípedes. Minhas associações, minha intuição...

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