NYMPHOMANIAC 2 – de
LARS VON TRIER
…
- Estava pensando aqui… São
dois filmes diferentes, embora pareçam iguais. Duas partes de um mesmo. Mas
não, são dois filmes diferentes. Um meio sem rumo e outro muito bom.
- Do que é que você está
falando?
-
“Nymphomaniac”, do Lars Von Trier. Na mesma
medida em que achei a primeira parte, uma inutilidade atroz, achei a segunda
parte quase excepcional! O velho Lars colocando o dedo na ferida ou cutucando a
onça com vara curta.
- O provocador.
- É. Muita coisa ilustrativa
acontece, mas o melhor mesmo são os diálogos entre a personagem da Charlotte
Gainsbourg e o personagem do Stellan Skarsgard. É um filme tese. Como, aliás,
todos os filmes do Lars. “Nymphomaniac 2” tem um roteiro rocambolesco, uma
salada russa que só serve mesmo para que o Lars vá descarregando sua visão
niilista da humanidade. As relações humanas, sejam sociais, econômicas ou
sexuais, são sempre pautadas pelo sadismo, pela crueldade, pelo poder. Ele
odeia a burguesia e isso sempre fica muito evidente em seus filmes.
- O problema é que é justamente
a burguesia quem vai assistir aos seus filmes.
- Contradições da arte.
- Mas a burguesia é matreira.
- Tudo em “Nymphomanic 2” é um
pretexto para dizer que não temos saída e que tudo está construído em alicerces
fajutos e que só o que nos resta mesmo é a hipocrisia e que só os hipócritas
sobrevivem. Sinceridade é um perigo em nossa sociedade hipócrita.
- Que foda, né?
- Foda.
- ...
- Um diálogo e um monólogo eu
considero excepcionais.
- Quer falar.
- Claro!
- Então vai!
- Joe: Cada vez que uma palavra
se torna proibida você remove uma pedra do alicerce democrático. A sociedade
demonstra sua impotência em face de um problema concreto, removendo palavras da
língua.
Seligman: Acho que a sociedade
diria que politicamente correto é uma expressão muito precisa de preocupação
democrática com as minorias.
Joe: E digo que a sociedade é
tão covarde quanto as pessoas nela, que, na minha opinião também são demasiado
estúpidas para a democracia.
Seligman: Entendo o seu ponto
de vista, mas discordo totalmente. Não tenho nenhuma dúvida sobre as qualidades
humanas.
Joe: As qualidades humanas
podem ser expressas em uma única palavra: hipocrisia. Enaltecemos aqueles que
dizem o certo, mas desejam o errado; e zombamos daqueles que dizem o errado,
mas desejam o certo.
- Como você conseguiu decorar
este diálogo?
- Não decorei. Escrevi.
- Ah!
- E tem o monólogo da Joe para
as colegas de terapia e para a terapeuta.
- Fala.
- Queridas, acho que não tem
sido fácil, mas agora entendo que não somos e nunca seremos iguais. Eu não sou
igual a você, que fode para ser aprovada e poderia muito bem parar de colocar
paus dentro de você. E eu não sou igual a você. Tudo o que você quer é ser
preenchida. E quer seja por um homem ou por toneladas de alimentos nojentos,
não faz diferença.
- Ela vira a mesa.
- Aí olha para a cara da
terapeuta e dispara: E, definitivamente não sou igual a você. Essa empatia que
você clama é uma mentira, porque tudo que você é, é a vigília da moralidade da
sociedade, cujo dever é apagar a minha obscenidade da superfície da terra, para
que a burguesia não se sinta doente. Eu não sou igual a você. Sou ninfomaníaca
e amo ser assim. Mas, acima de tudo, amo a minha buceta e a minha luxúria
imunda e obscena.
- Ufa!
- Pois é.
- ...
- ...
- E o que o filme do Lars Von
Trier tem a ver com Tragédias & Mangá?
- Acho que nada. Ou tudo.
Afinal não fala do ser humano? Por caminhos tortuosos, tudo fala de uma mesma
coisa, não é? Por alguma razão me lembrei dos diálogos cruéis entre Menelau e
Hécuba em “As Troianas”, do Eurípedes. Minhas associações, minha intuição...
...