O Verdadeiro sentido da liberdade que o Teatro pode proporcionar… (Parte
1)
“Você conhece Hitler melhor do que Nietzsche, Napoleão
melhor do que Pestalozzi. Um rei significa mais para você do que Sigmund Freud."- Wilhelm Reich
Somos prisioneiros de nossos sonhos, de nossas obsessões, de nossos
medos, de nossos preconceitos e até da imagem que forjamos de nós mesmos. À
medida que o tempo segue isso tudo passa a pertencer à nossa personalidade de
tal forma que não conseguimos mais distinguir o que compramos como nosso e o
que é nosso mesmo. Defendemos nossos medos como se fosse um ato de coragem.
Defendemos nossos preconceitos como se isso fosse uma característica humana,
defendemos nossas obsessões como se elas fossem a verdade da vida e corremos
atrás de nossos sonhos como se o universo tivesse a obrigação de realizá-los a
despeito, inclusive, dos sonhos alheios. No fundo estamos sozinhos com nossos
egos e desconhecemos a liberdade que o teatro pode proporcionar a quem o faz e
a quem o assiste. No fundo, como meros burgueses envolvidos pela inércia da
nossa própria mediocridade, somos incapazes da transformação; daí que o medo, a
obsessão e os preconceitos, nunca nos abandonarão, porque são as
características que mais amamos em nós mesmos. E quando nos vendemos como
achamos que somos, por incrível que pareça, somos comprados exatamente por isso
e - suprema contradição - sempre nos imaginamos sendo comprados por um preço
muito baixo. Valemos mais. Mas o que em nós vale mais? Nosso ego gigantesco?
Nossa inteligência? Nossa beleza? Nossa individualidade? O conhecimento
acumulado? Se buscássemos a verdadeira liberdade que qualquer teatro, de
Sófocles a Shakespeare, de Tchecov a Beckett, de Arrabal a Fassbinder, ou até
de um (para ser contemporâneo) Will Eno para um Bernard Marie-Koltés; o que
venderíamos não teria preço e se nos vendêssemos por um dólar ou um milhão,
ainda assim seria nada, diante da liberdade que experimentaríamos e a que
daríamos aos outros. Porque fazer teatro é dar, ao contrario de fazer comércio,
que é receber. Porque ser um artista de verdade é dar e ser um vendedor de
qualquer coisa é receber. E se o que temos para oferecer é arte, nenhum valor
pode pagar, porque simplesmente não somos nada. E se o que temos para oferecer
é nosso ego, o preço é muito óbvio e sempre teremos mais a perder do que
ganhar; porque sempre acharemos que nosso preço é mais alto e sempre estaremos
descontentes; como qualquer consumidor, impressionado com a propaganda que faz
de si mesmo. Desconhecer o caráter libertador do teatro é reduzir ao mínimo
nosso potencial artístico. E é por isso que, na impossibilidade de aprofundarmos
nossa relação com a verdadeira liberdade, quase sempre deixamos de fazer arte
para viver (por uma remuneração que achamos justa ou injusta) de qualquer outra
coisa que pareça estar sendo arte, mas que é apenas trabalho remunerado, e por
mais digno que seja do ponto da vista da relação
trabalhador/trabalho/remuneração, nunca será nada, nem sequer parecida com
arte. E é por isso que precisamos entender o sentido libertador do teatro e,
quando nos dedicamos a vivê-lo, temos que buscar o novo, a transformação, o não
experimentado. E nessa nova experiência tem que estar incluída a nossa relação
com a arte, com o público e com o outro. Se ao buscarmos a transformação o máximo
que conseguirmos é retornar cordeiramente ao nosso espelho, estaremos sendo
mais conservadores, reacionários e medíocres do que éramos antes da
experiência. E a aventura se terá reduzido à prisão; mesmo que nosso ego, agora
ainda mais inflado pela superestima da resistência, nos diga a cada segundo que
vencemos, que somos poderosos, incríveis, excepcionais e intocáveis. (continua...)
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