E como disse o Luiz Nobre: “... agora o céu começa a virar uma sbórnia!!!”
Compartilhando de Hique Gomez
ÀS CINCO DA MANHÃ
Fabrício Carpinejar
Às cinco da manhã, a morte tem menos esperança, a fé tem menos altares,
as velas se apagaram nas esquinas de Porto Alegre. Às cinco da manhã, o Guaíba
quebrou sua luz, o pão se partiu sozinho, o açúcar perdeu seu brilho.
Ás cinco da manhã, as roletas do trem pararam de pensar, os elevadores
se sentiram velhos, as pombas fizeram greves dos farelos.
Às cinco da manhã, o suor veio antes do sol, as ladeiras se despedaçaram
como vidraças, as sombras correram para o Mercado Público.
Às cinco da manhã, o musgo se divorciou da pedra, ex-fumantes voltaram
ao vício, amantes fingiram derradeiras promessas, não havia chaves para abrir
as janelas.
Às cinco da manhã morreu Nico Nicolaiewsky. Ai que terrível serão as
cinco e meia da manhã nos relógios da capital gaúcha durante o dia inteiro.
Nico colocou seu último suspiro para sorrir. Pensou que fosse a mesma
coisa. Sorrir, suspirar.
Acenou com os dentes, mordeu a palha do vento, como a dizer que daria
uma volta no invisível e já retomava o ensaio com os violinos.
Às cinco da manhã, Nico largou ao chão sua gravata, seu colete, seu par
de sapatos bico fino, seu bigode da Sbórnia, suas canções desesperadas de amor.
E as rosas brotaram de sua pele branca e cansada.
Enrolem o maestro Pletskaya com as cortinas do Theatro São Pedro,
coloquem algodão em seus ouvidos, ele é todo feito de cristal: ele é todo
cristalino.
Morreu Nico. Morreu o tango de novo. Morreu a própria tragédia. Sua voz
era a de um lobo que já havia sido homem. Hoje só podemos cantar uivando.
Não terá caixão para levá-lo. Não terá caixão para fechá-lo. Ele não é
um morto, mas um piano parado.
Confisquem a lua em fevereiro, os corrimões das escadas, soltem os
dragões e os cachorros de pedra da Praça da Matriz.
Segurem minhas mãos para não pegar o telefone. Segurem meus braços para
não esmurrar a porta. Segurem minhas pernas para não procurá-lo. Segurem meus
joelhos para não acordar o acordeon. Amarrem-me em qualquer lugar que não fale
português e desperte saudade. Prendam-me na cama, anestesiem meu sangue – estou
tão acostumado a enxergá-lo vivo que fui junto.
Só deixem minha cabeça livre. Para mexer a cabeça, para dançar Copérnico
com os olhos e esperar que ele volte.
Ele sempre volta.
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